O amor vem de nós, e demora.

A gente faz tanta confusão quando o assunto é amor... e nem percebemos que a capacidade de amar pouco tem a ver com o outro. Amar é uma decisão. É você quem decide se quer ou não.
A gente faz tanta confusão quando o assunto é amor... tem gente que acha que ciúme é declaração de amor; tem gente que confunde amor com poder; tem aqueles que acreditam que amam profundamente, mas que na verdade são totalmente dependentes; outros associam amor à cobrança, vigilância e controle de todo tipo, e tem até quem jure que de tanto amar pode até matar. Quanta confusão...
Amor não tem absolutamente nada a ver com nenhuma dessas coisas. Amor tem tudo a ver com generosidade, com gratidão, com alteridade*; tem a ver com a aceitação genuína do outro do jeito que ele é, com respeito pela diferença que existe entre esse “eu” e esse “você”; tem a ver com autoconhecimento, com tolerância a frustração, com clareza de quais são os nossos limites e de quais são os limites dos outros; tem tudo a ver com autonomia, com desenvolvimento das potencialidades individuais e relacionais; é um sentimento e também uma habilidade. O amor é um sentimento que mora dentro daquele que o sente, que o cativa, que o constrói, que o nutre; e como habilidade, pode e deve ser aprimorada e lapidada a todo instante. Como canta Rita Lee: “Amor vem de nós, e demora”.
Portanto, a capacidade de amar, pouco tem a ver com o outro, percebe? Tenho aprendido ao longo da vida que amar é uma decisão. É você quem decide se quer ou não amar. O outro pode não querer a mesma coisa que você quer; pode não querer conviver contigo; pode, inclusive, rejeitar o seu amor; e, ainda assim, você pode decidir continuar amando essa pessoa. “Ah, mas como assim?” – você deve estar pensando. Oras, se o amor é um sentimento que brota, germina, cresce e floresce dentro daquele que é capaz de nutri-lo, de quem é a vantagem e o benefício de senti-lo? Quem é que ganha com isso? Pois é, acabamos de descobrir que amor também tem tudo a ver com inteligência. Inteligência emocional.
Sabe aquela vovó querida que já partiu e a quem você amava profundamente? Ou aquele namorado da juventude que você nunca mais viu, mas que deixou ótimas lembranças? Ou ainda aquele amigo querido que se mudou para o exterior e, pelas contingências da vida, vocês se distanciaram ou perderam contato? Quando você evoca essas lembranças, não vem uma sensação boa que enche o seu coração com um calorzinho gostoso? Um sentimento de gratidão pelo que foi vivido? Uma saudade boa? Então, gente, isso é amor! Isso é decidir guardar do lado de dentro as coisas boas do que foi vivido. Isso é alimentar o amor que existe dentro da gente. Percebe que é uma decisão que depende só de você? No texto “Diferença entre sentir e expressar amor” falo melhor sobre as possíveis formas de expressão desse amor, isso quando é possível expressá-lo, pois algumas vezes não é – por circunstâncias da vida ou por respeito ao limite e ao desejo do outro. O que não impede que a gente continue nutrindo e sentindo o amor dentro da gente.
Um dos ganhos extraordinários é que ao fazer esse exercício você também começará a notar que quanto mais amor você conseguir guardar dentro, mais desse sentimento você também terá para oferecer aos outros. É um círculo virtuoso que se retroalimenta. E, ao constatar que o amor vem mais de nós do que do outro, talvez assim a gente comece a se relacionar de forma mais madura e autônoma, sem as dependências, inseguranças, desconfianças e temores que vemos hoje. E por que isso acontece? Porque como investimos o nosso amor no outro, quando esse outro decide ir embora, temos a sensação de que ficamos vazios, de que a outra pessoa partiu levando consigo todo o amor que nós tínhamos e sentimos uma dor existencial imensa. Isso só acontece porque a gente ainda não aprendeu a amar, porque temos a ilusão de que o amor vem só do outro. Porque ainda não nos demos conta de que amar é um exercício e uma decisão. Quando se trata de amor ainda estamos no jardim da infância.
Por falar em infância, é lá que aprendemos as nossas primeiras lições sobre o amor. É na infância o único momento de nossas vidas aonde o amor vem, e deve vir, do outro. Precisamos desse outro como exemplo, como referência, como mestre na arte de amar. É dele que vamos receber a primeira muda da árvore do amor. É com ele que deveríamos aprender a plantar, regar, podar e nutrir essa mudinha de modo que ela permanecesse viva e fértil ao longo de toda a nossa existência, pois é dessa árvore que vamos nos alimentar e alimentar os outros. Mas como ter esse mestre se ele ainda não nasceu? Como os pais vão educar os seus filhos se eles também ainda não aprenderam a amar? É urgente a necessidade de interrompermos a perpetuação da ideia que temos hoje do amor.
Sei que falar é fácil. Mas se não começarmos a nos vigiar e a praticar, nunca deixaremos de ser tão miseráveis de amor. Por mais difícil que tenha sido a sua infância, sempre será possível aprender a amar. Pode ser que seus mestres primordiais não tenham sido tão habilidosos, mas a gente sempre pode aprender com outros inúmeros mestres que cruzam o nosso caminho ao longo da vida: parentes, amigos, filhos, amores...
Lembre-se sempre: Amar é uma decisão e um exercício!
Bora praticar?
* Capacidade de reconhecer, aceitar e respeitar o outro como uma pessoa separada e não como mera extensão de si mesmo, mas como alguém que tem desejos, necessidades, crenças, valores, gostos diferentes dos nossos.